Nos últimos 25 anos, o mundo registrou progressos importantes no desenvolvimento humano. Os ganhos, porém, não têm sido universais. Mulheres, grupos étnicos e raciais, populações rurais e cidadãos de alguns países não têm conseguido se beneficiar desses avanços. A conclusão consta no Relatório do Desenvolvimento Humanos (RDH) 2016, lançado mundialmente nesta terça-feira (21/3), pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
“Não será possível alcançar o desenvolvimento humano se metade da humanidade é ignorada. A desigualdade de gênero e a falta do empoderamento das mulheres é um desafio ao progresso global em todas as regiões e grupos”, diz o relatório, elaborado com base em dados até 2015. O documento – que explica as razões por que alguns grupos foram deixados para trás no desenvolvimento humano – traz também as políticas e estratégias nacionais e globais necessárias para alcançar as populações atualmente excluídas. Elas estão organizadas em quatro eixos:
- I) Piso de proteção social (políticas universais de saúde e educação; de assistência social, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada; benefícios previdenciários para grupos vulneráveis; inclusão financeira);
- II) Políticas de ação afirmativa (para mulheres, negros, indígenas, pessoas com deficiência entre outros grupos vulneráveis);
III) Desenvolvimento humano sustentável (para que choques, como recessões econômicas, epidemias, desastres naturais, não façam as pessoas voltarem à situação de pobreza);
- IV) Participação e autonomia dos excluídos(efetivar os tratados de direitos humanos, garantir o acesso à justiça, promover inclusão, efetivar o direito à informação).
O relatório reconhece que a superação dos desafios do desenvolvimento humano é complexa e envolve reformas não apenas nacionais, mas também em instituições globais, como os mercados, a sociedade civil e os organismos multilaterais. Dentre as sugestões de reformas, constam a regulação de investimentos e mercados justos, um sistema de migração justo, mudanças na composição do Conselho de Segurança da ONU.
Outro alerta importante trata da necessidade de produção de dados que mostrem a realidade para além das médias nacionais. Um exemplo: atualmente existem 300 milhões de pessoas pobres nos países de renda elevada. No Brasil, a renda média per capita familiar, em 2010, era de R$ 793,87. Na cidade de São Caetano do Sul (SP), porém, chegava a R$ 2.043,00, enquanto em Marajá do Sena (MA) – município de menor renda do país – alcançava apenas R$ 96,25. “Reconhecer essas disparidades é fundamental para fazer com que as políticas como o Bolsa Família sejam fortalecidas e cheguem aos locais e às pessoas que mais necessitam”, afirma o coordenador residente do Sistema ONU e representante do PNUD no Brasil, Niky Fabiancic.
IDH do Brasil fica estagnado em relação a 2014
Em relação a 2014, o Brasil estagnou no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), no valor de 0,754, e no ranking mantém a posição 79 entre 188 países. Na América do Sul, o Brasil é o 5º país com maior IDH. Chile, Argentina, Uruguai e Venezuela aparecem na frente. No caso da Argentina, Chile e Uruguai, todos os indicadores são maiores que os brasileiros. Em relação à Venezuela, o Brasil apresenta melhores números para esperança de vida ao nascer e anos esperados de estudo, mas Renda Nacional Bruta (RNB) per capita e média de anos de estudo menores.
Considerando os 78 países analisados com IDH melhor que o Brasil, apenas Andorra, Arábia Saudita, Seicheles e Maurício tiveram desenvolvimento humano mais acelerado que o brasileiro entre 2010 e 2015. Entre 1990 e 2015, dos 65 países com IDH mais alto, e com essa informação disponível, somente Cingapura, Croácia, Maurício, Irã e Turquia tiveram crescimento do seu desenvolvimento humano maior ou igual ao brasileiro.
Nesse período (1990-2015), os brasileiros ganharam 9,4 anos de expectativa de vida, viram a renda aumentar 31,6% enquanto, na educação, a expectativa de anos de estudo para uma criança que entra no ensino em idade escolar aumentou 3 anos e a média de anos de estudos de adultos com 25 anos ou mais subiu 4 anos.
Tendências do IDH do Brasil com base em dados de séries temporais consistentes
Expectativa de vida ao nascer | Expectativa de anos de estudo | Média de anos de estudo | RNB per capita (2011 PPP$) | IDH | |
1990 | 65.3 | 12.2 | 3.8 | 10.746 | 0,611 |
1995 | 67.6 | 13.3 | 4.6 | 11.238 | 0,649 |
2000 | 70.1 | 14.3 | 5.6 | 11.339 | 0,685 |
2005 | 71.9 | 13.8 | 6.1 | 12.117 | 0,698 |
2010 | 73.3 | 14.0 | 6.9 | 14.173 | 0,724 |
2011 | 73.6 | 14.2 | 7.0 | 14.580 | 0,730 |
2012 | 73.9 | 14.2 | 7.2 | 14.472 | 0,734 |
2013 | 74.2 | 15.2 | 7.3 | 14.582 | 0,747 |
2014 | 74.5 | 15.2 | 7.7 | 14.858 | 0,754 |
2015 | 74.7 | 15.2 | 7.8 | 14.145 | 0,754 |
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano 2016
Índices mostram piora na desigualdade
No IDH ajustado à desigualdade – um método que relativiza o desenvolvimento humano em função da diferença entre os mais e menos abastados de um país – o Brasil é o 3º país que mais perde posições, empatado com Coreia e Panamá e atrás somente do Irã (-40) e de Botsuana (-23). Em relação ao Coeficiente de Gini (2010-2015) – instrumento que mede o grau de concentração de renda em determinado grupo e aponta a diferença entre os rendimentos dos mais pobres e dos mais ricos – o Brasil é o quarto pior da América Latina e Caribe, atrás somente da Haiti, Colômbia e Paraguai.
Baixa participação política e econômica das mulheres derruba índice de igualdade
O RDH 2016 detalha também a realidade das mulheres brasileiras, desagregando o IDH por gênero e avaliando saúde reprodutiva, empoderamento e atividade econômica feminina.
No Brasil, o IDH dos homens fica em 0,751 e o das mulheres em 0,754, o que reflete melhor desempenho educacional e longevidade do segundo grupo. No entanto, apesar do maior nível educacional das mulheres, os homens ainda têm um indicador de renda significativamente mais alto (66,2%).
Já o Índice de Desigualdade de Gênero, por sua vez, avalia desigualdades em três dimensões sensíveis à questão de gênero: saúde reprodutiva, empoderamento e atividade econômica. Nesse indicador, o Brasil está na metade mais mal avaliada de 159 países. Com valor de 0,414, ocupa a 92ª posição.
Vale ressaltar que o país com menor IDH do mundo tem mais mulheres com assento no Parlamento do que o Brasil. O Brasil apresenta 10,8%, enquanto a República Centro-Africana tem 12,5%.
Índice de Desigualdade de Gênero, 2015
País | IDgG | Taxa de mortalidade Materna (por 100.000 nascidos vivos) | Gravidez na adolescência (nascimento a cada 1000 mulheres entre 15-19 anos) | Assentos no parlamento (ocupados por mulheres) | Alcance anos finais do ensino fundamental (25 anos ou mais) | Participação na força de trabalho (15 anos ou mais) | ||
M | H | M | H | |||||
Mundo | 0.443 | 216 | 44.7 | 22.5 | 60.3 | 69.2 | 49.6 | 76.2 |
AL e Caribe | 0.390 | 67 | 64.3 | 28.1 | 57.8 | 58.1 | 52.8 | 78.6 |
Argentina | 0.362 | 52 | 63.8 | 37.1 | 63.5 | 61.4 | 48.4 | 74.5 |
Brasil | 0.414 | 44 | 67 | 10.8 | 59.1 | 55.2 | 56.3 | 78.5 |
Chile | 0.322 | 22 | 47.8 | 15.8 | 76.1 | 76.9 | 50.7 | 74.6 |
Paraguai | 0.464 | 132 | 57.4 | 16.8 | 46.2 | 47 | 58.1 | 84.6 |
Uruguai | 0.284 | 15 | 56.1 | 19.2 | 55 | 51.6 | 55.4 | 76.3 |
Venezuela | 0.461 | 95 | 79.4 | 17 | 72.6 | 65 | 51.4 | 78.4 |
Fonte: Relatório de Desenvolvimento Humano 2016
Apesar de todos os desafios para fazer esse salto qualitativo no desenvolvimento humano, o mundo sabe e tem os recursos necessário para incluir que foram as pessoas deixadas para trás. “Reafirmamos que o desenvolvimento humano para todos é possível. Podemos construir sobre o que já foi feito e ainda explorar novas possibilidades. Se houver comprometimento dos Estados, dos mercados e da sociedade civil podemos alcançar resultados expressivos em pouco tempo”, ressalta Niky Fabiancic.
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O Índice de Desenvolvimento Humano é um indicador que vai de zero a um. Quanto mais próximo de um, maior o desenvolvimento humano. O índice mede o progresso de uma nação a partir de três dimensões: renda, saúde e educação.
Mais informações sobre o Relatório de Desenvolvimento Humano 2016.
Fonte: PNUD